Sobre a Origem do Filosofar

Sobre a Origem do Filosofar

Qual a origem do impulso para a filosofia? Em geral nosso pensamento tem algumas temáticas centrais, um núcleo de assuntos para o qual ele retorna sempre que não é forçado, voluntariamente ou não, em outra direção. Esse ponto de retorno dos nossos pensamentos são idéias que nos chamam atenção, projetos pessoais ou profissionais, nossas queixas, crenças, opiniões e reclamações… enfim, assuntos centrais para nós, aquilo em que pensamos por prazer e de modo automático, que reconhecemos como nosso mesmo, como o que nos é mais próprio. Sempre que não temos nossa atenção desviada, voluntariamente ou não, para outras coisas, retornamos para esse núcleo, esses pensamentos nos tomam, as vezes vivemos fisicamente no automático e entramos nesses pensamentos. No entanto acontece que algumas vezes não temos nenhum assunto central ou pensamos apenas em coisas fragmentadas, sem conexão, e então pode ocorrer de termos uma sensação de vazio e nos sentirmos sem orientação, mais pobres e mesmo sem ânimo. E então relembramos coisas que nos deixam animados ou centrados em alguns assuntos, aquelas coisas de que gostamos e na qual nos engajamos por vontade própria e nem elas recuperam aquele estado de ânimo de antes. É uma espécie de angústia. Quando isso ocorre costumamos analisar nossos projetos de vida, nossas realizações e, dado nosso estado de espírito, eles parecerem sem sentido, não nos parecem ser tão interessantes, importantes ou relevantes como antes.

No estado de angústia nenhum projeto satisfaz completamente nosso pensamento e nos sentimos tristes, procuramos algo para nos distrair e sabemos que essa sensação passa, dormimos e no dia seguinte acordamos animados. Passamos por isso várias vezes, fazemos e refazemos esse processo. A verdade é que nada, nem Deus, nem a namorada perfeita, nenhuma filosofia, nenhuma religião, nem fama, nem dinheiro, nenhum poder, nada mesmo vai evitar que sintamos isso as vezes. Eis a grande verdade e saber enfrentar isso é ter maturidade. Note que isso não precisa nos abalar, nos deixar desesperados e nem nada assim, o que caracteriza esse estado normalmente é a distância que adquirimos de nós mesmos e a frieza com que emitimos julgamentos sobre nós mesmos. O passo inicial para filosofar é não evitar esse estado, é entrar nele para ver a vida como ela se mostra aí, para então descobrir a condição de nossa existência e procurar um sentido para a vida, ou forjar um. Entrar nessa angústia e olhar para o mundo por ela é a chave para entender a existência e buscar uma existência autêntica. Quando faz isso o homem se descobre um um ser jogado no mundo, não tendo escolhido nascer e sabendo de sua morte e se pergunta o que vai fazer da vida, o que o obriga a saber como o mundo é e o que ele pode fazer.

O tédio é que nos leva a esse estado que nos levará à angustia, por isso todos suprem seu tempo, evitam o tédio, evitam pensar sobre certas questões que lhes intrigam, mas lhes mostram esse abismo.  Não seria possível andar nesse abismo o tempo todo também. Evite o tédio, evite a solidão, distraia-se e você se acreditara feliz. Se a superfície das coisas me atraísse tanto como atraem alguns, se me empolgasse tanto como os empolgam, se me satisfizesse… talvez eu não tivesse buscado esse aprofundamento com as coisas.  Pra mim é daqui que surge a filosofia. De uma certa inadequação com o mundo. De achar que o modo como as coisas são, como os pais e a sociedade nos dizem que são, não cheira bem. De achar o senso comum simplório demais, que ele vaza água. De levar a sério os juízos que fazemos sobre as coisas. De desenvolver uma atenção viva para com a realidade e então passaremos a nos espantar com o mundo. Em suma, filosofia é a busca de um aprofundamento com a realidade.

Chamo de atenção esse olhar desconfiado que lançamos sobre as coisas, um olhar pessimista talvez, essa dúvida que não nos prende a um lado (embora nem sempre). Dito de outro modo essa busca pela verdade das coisas, mas talvez eu seja cético demais para falar em verdade das coisas, como se pudesse acreditar em um “é assim”. Eu diria então, para evitar a palavra verdade, que busco um aprofundamento maior com as coisas do que as outras pessoas. A superfície dificilmente me satisfaz. Se a vida fosse um jogo haveria basicamente três tipos de jogadores: o que joga para ganhar, arriscando a vitória, o que joga para não perder, diminuindo o risco de derrota e o que joga para mudar o jogo. Para os dois primeiros o jogo passa a ser o universo no qual eles residem, assumem o jogo como se fosse a realidade, o mundo, o terceiro tipo não assume totalmente o jogo, ele está de certo modo acima do jogo, consegue ver fora do jogo, seu mundo é maior de algum modo. Não aceita a realidade, o mundo do jogo, (ou os juízos comuns sobre a realidade) como os outros o assumem, talvez por não se adaptar ou porque jogue muito sério… Sou um terceiro tipo de jogador. Pessoas como Leibniz, Russel e Wittgenstein são homens que embora questionassem o jogo não perderam aquele senso de realidade que muitas vezes falta a alguns aspirantes a filósofos. Sempre admirei as pessoas que além de serem grandes intelectuais foram também homens de ação. O terceiro jogador não se contenta com o jogo, com a aparência, ele quer a verdade da coisas, quer se aprofundar no conhecimento das coisas. Esse aprofundamento seja nos esportes, artes, política, ciências ou filosofia normalmente fornece um sentido para a vida. Quem nunca se envolveu com algo, se aprofundando na relação com esse algo a ponto de achar que quem nunca fez isso nunca foi feliz? O filósofo acha que todo mundo deve fazer filosofia, o cientista que todos devem ser cientistas, o artista que todos devem desenvolver sua sensibilidade e expressão e etc. Existe esse aprofundamento com relação as coisas. Ele não é atingido sem envolvimento e não tem fim. Esse aprofundamento é um tipo de compreensão. Não é um compreender puramente intelectual, nem um modo de dominar as coisas. É um abrir-se a elas. Desenvolver uma atenção viva para com a realidade. Isso exige lutar contra o egoísmo e a preguiça muitas vezes. Ao abrir-se para as coisas com essa atenção viva, evitando o pré-conceito acontece de as vezes sermos subjugados pela beleza ou a complexidade de uma coisa ou de alguém. Acho que nesses momentos o outro é ele mesmo, a realidade é ela mesma, não os englobamos com nosso eu. Já me senti assim contemplando certas paisagens, falando com certas pessoas… A causa da angústia no fundo talvez seja que não possamos eternizar um momento. Essa experiência de profundidade parece ser mais real que o resto da realidade.
Fazer filosofia consiste em desenvolver este impulso dialogando com a tradição filosófica.

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